Era inevitável. Assim que a pandemia- justificada ou injustificadamente- deixasse espaço mediático para que outros assuntos fossem tratados, a discussão política voltaria em força.
Não que a democracia, ou a política, estivessem suspensas. As instituições funcionaram. Para cada problema há diferentes soluções, há abordagens com prioridades diferentes, há críticas a fazer sobre a forma como cada processo é dirigido. É assim na decisão aparentemente mais básica, por maioria de razão assim o será na gestão de uma crise com a magnitude daquela que estamos a viver.
O que esteve silenciado durante alguns meses foi aquela dimensão política que se prende exclusivamente com a competição pelo exercício do poder. Ou, pelo menos, a sua face mais visível.
A política regressou quando o Primeiro-Ministro- numa a visita à fábrica AutoEuropa em Palmela- disse explicitamente que esperava que Marcelo Rebelo de Sousa fosse reeleito, e, implicitamente, insinuou o seu contentamento com tal “certeza”. Essas declarações causaram incómodo em diversos quadrantes políticos. O daqueles que à direita consideram o Presidente da República como seu, e que se sentem desiludidos com o que entendem ser a demasiada brandura, ou mesmo o respaldo, que Marcelo tem dado ao Governo; os que, sendo militantes ou simpatizantes do PS, defendem que o partido deveria apresentar um candidato próprio, ou, em alternativa, favorecer ou promover a candidatura de um cidadão melhor alinhado com a sua ideologia política; por fim, aqueles que acharam pouco apropriado o local, ou a condição em que António Costa falou: entendendo que fere o princípio da separação de poderes o Primeiro-Ministro em exercício apoiar uma putativa candidatura política do Presidente da República.
As declarações de António Costa contentaram outros: Marcelo Rebelo de Sousa e aqueles que lhe são pessoalmente leais, o apoio do PS tornaria aquilo que se adivinha vir a ser um passeio numa alegre e festiva excursão até um score recorde; os que querem que surja no espaço da direita constitucional uma candidatura alternativa a Marcelo, o apoio do PS a Marcelo abriria espaço para que o CDS, a parte passista do PSD e a IL, procurassem um candidato que desse garantias de afrontar mais frequentemente o governo; André Ventura e seus apaniguados, que nada mais querem do que surgir como a candidatura anti-sistema perante aquele que seria entendido como o candidato do “bloco central”; enfim, o comum dos portugueses que percebe que em tempos difíceis como os que se avizinham, o bom relacionamento entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro não é coisa despicienda.
Os partidos à esquerda do PS foram os menos perturbados pelo facto político. O PCP terá sempre a sua candidatura, o Bloco de Esquerda apresentará candidato próprio se da ala esquerda do PS não surgir uma candidatura agregadora dessa área política.
(a continuar)