1- Passou mais uma quinzena, morreram mais 3500 pessoas de Covid-19. Os nossos hospitais há muito passaram o ponto de ruptura, estamos a pedir ajuda internacional àqueles que estão em condições de a dispensar.
É uma realidade que já parece dizer pouco àqueles que têm a felicidade de não ter de contactar directamente com ela. Os números tornam-se irreais, dissociamo-nos do sofrimento que não queremos ver. Temos pequenas queixas: os familiares ou amigos que não podemos abraçar, os aniversários que não podemos festejar, as férias ou casamentos adiados, os quilos ganhos desde que tudo começou, as pequenas futilidades que precisamos de perder para perceber que não são tão pequenas, nem tão fúteis. E é este nevoeiro de pequenas coisas que nos entorpece e nos impede de abarcar a verdadeira dimensão da tragédia.
Não tinha de ser assim. Mesmo com todos os partidos da oposição e uma maioria significativa da opinião pública a pedir um relaxamento das restrições, o número de casos no início do mês de Dezembro ainda era demasiadamente alto para que fosse admissível brincar com o fogo. A experiência feita no Natal correu mal, e agora é este o incêndio que nos consome.
Há responsabilidade política objectiva de quem governa, que será tão maior quanto mais vidas que poderiam ser salvas se perderem. Deverá ser assacada a seu tempo. Agora, é novamente momento de cerrar fileiras, e demonstrar que, se conseguirmos ser tão exigentes connosco, e tão unidos, como fomos na primeira fase do combate à pandemia, conseguiremos reganhar o controlo e ser novamente exemplo para o mundo.
2- As eleições presidenciais não trouxeram grandes surpresas. Marcelo Rebelo de Sousa foi reeleito confortavelmente, André Ventura teve um resultado relevante, e a esquerda, dividida e órfã, teve uma noite difícil. Com este pano de fundo, não deixa de ser interessante olhar para os seus contra-intuitivos efeitos. António Costa passou incólume por uma eleição onde tinha pouco a ganhar e ainda viu a sua putativa oposição interna ser esvaziada pelo resultado pouco satisfatório de Ana Gomes; as lideranças do PSD e do CDS, apesar de se terem apressado a celebrar uma vitória que consideraram sua e derrotas alheias, têm o caminho para construir uma maioria política na direita democrática muito complicado. Francisco Rodrigues dos Santos viu a sua liderança ser colocada em causa, dificilmente a aguentará. Rui Rio, mesmo no cenário que ainda parece pouco provável de maioria parlamentar dos partidos à direita do PS, terá que lidar com umas muito aumentadas exigências de André Ventura. O preço do acordo dos Açores demorou três meses a começar a ser pago.