Num recanto qualquer deste país de brandos costumes, ergue-se, altivo e inchado, um ufano exemplar do cacique moderno — um ditadorzeco de província, um pavão de peluche que nunca sujou as mãos com trabalho honesto. Com ar de grande estadista de pacotilha, pavoneia-se em praças e salões como se fosse herdeiro do Marquês de Pombal, mas não passa de um parasita dourado, produto final de décadas de compadrio, manobras de bastidores e assaltos nojentos ao erário público.
Este personagem, grotescamente vaidoso, vive envolto numa aura de arrogância patológica, convencido de que o mundo gira em torno do seu umbigo inchado. É um mestre da intriga barata, da chantagem dissimulada e do populismo rasca. Nunca lavrou a terra, nunca serviu à mesa, nunca soube o que é acordar cedo para ganhar o pão — mas tem sempre na boca discursos inflamados sobre mérito, esforço e moralidade, palavras que manipula com a mesma facilidade com que muda de casaca.
Nutre um desprezo absoluto pelos que trabalham, pelos que se fizeram por mérito próprio, pelos que criam e dele nunca precisaram. Para ele, só há valor no engano, na lábia, na promessa vazia. Rodeia-se de bajuladores medíocres, subservientes oportunistas que lhe alimentam o ego e a ilusão de grandeza. E, claro, sustenta-se com fundos públicos, como uma sanguessuga institucional, sempre pronto para as inaugurações, para cortar fitas e sorrir para câmaras, isto tudo, enquanto assina contratos obscuros em gabinetes mal iluminados.
Usando como manual de instruções a obra de Camilo, “A Queda de Um Anjo”, a sua vida é uma sucessão de esquemas disfarçados de iniciativas, de favores trocados em jantares à porta fechada, de licenças concedidas a amigos em troca de votos, silêncio ou ambos. Grita contra os “inimigos do povo” enquanto sufoca qualquer crítica com processos administrativos ou campanhas de difamação vil. Usa os meios públicos a que tem acesso pelo seu cargo, como escudo e espada — escudo para se proteger da lei e espada para punir os que ousam desafiá-lo. A imprensa, domesticada com subsídios e promessas de publicidade, limita-se a amplificar os seus feitos inventados, convertendo trapalhadas em “visões estratégicas” e desastres em “gestão arrojada”.
Este é o cacique moderno: um inútil enfeitado, moldado pelo vício do poder e pela arte suja da sobrevivência política. Um bufão com tiques de imperador, que julga governar com punho de ferro, mas cuja única obra concreta é o próprio retrato emoldurado pendurado nas paredes de alguns edifícios públicos.
Termino apenas com uma nota: nestas minhas divagações qualquer semelhança com figuras reais será, naturalmente, fruto da mais acidental das coincidências. E se algum rosto ou nome se formou na vossa mente durante esta leitura, a culpa não é minha. A imaginação é vossa e o retrato também.
Júlio Alves
23/04/2025